O texto de “Três parábolas da possessão” inspira-se no caso de Shadi Masoul, um jovem palestino de doze anos que, armado com um cinto de explosivos e conduzindo-se a um posto de controle à entrada de Jerusalém, frustrou no último momento as suas intenções suicidas. Com esta premissa, e sem preocupação com o que aí se constitua como facto noticioso, o texto transpõe o tema bíblico e tradicional da Natividade, da Paixão e da Redenção do Filho para o território e a actualidade agora vocacionados — o do conflito israelo-palestino.
O texto extrai dos autos de Natal tradicionais o seu tema e certa pressuposição formal mais envolvida com os aspectos da sua projecção cénica e plástica. Na medida em que aquele tema é o da Natividade e da Paixão do filho, é correcto dizer que o texto, num segundo nível, se compromete com a questão da permanência do mítico-mitológico na forma cénica. Ainda que a vida dos mitos possa ser imperecível, ela decorre sempre num intervalo devedor de duas realidades destinadas no entanto a perecer: a palavra e o corpo. Porque não podem sobreviver numa nudez tão absoluta que desconheça os corpos e a palavra, estão os mitos, no tempo, obrigados à negociação: decerto, com línguas que já não recordam o seu nascimento e, por essa via, com a dispersão da sua verdade; mas também com as sucessivas actualidades sem as quais eles nunca são plenamente significantes e que, por seu lado, são mais elas mesmas quando se reconhecem na vocação mitológica que está no centro do seu processo formador.
Comentários para TRÊS PARÁBOLAS DA POSSESSÃO